Como amanhã é seu aniversário eu fiz uma crônica para você, como um presente sem pacote e sem laço, mas também sem preço. Mentira minha. Acabei escrevendo porque fiz uma outra crônica que tinha um título que lembrava a nossa amizade. Nossa amizade que era linda, que era perfeita e que foi tão intensa que depois parecia não ter sobrado mais nada. Lembro que uma vez a gente sentou num desses bares safados e ficou conversando besteira. O dia tava feio, o céu tava caindo e nós estávamos imensamente cansados. De repente uma figura pitoresca e desconhecida sentou na nossa mesa. Parecia uma daquelas ciganas velhas que coloca cartas e lê a sua mão. E ela, que já estava muito bêbada, pediu para a gente comprar um conhaque, já que o dono da padaria tinha se negado a dar. Então eu, você e a desconhecida ficamos conversando por horas. De vez em quando ela chorava e falava da filha. De vez em quando ela me pedia para falar ao telefone com um músico amigo dela. E aquela mulher tinha uma fragilidade tão desconcertante que nem eu nem você tivemos coragem de levantar e deixá-la ali, sozinha. Lembro que a certa altura ela falou muito triste do quanto estava chovendo. E você, que costumava ser tímida e fechada, consolou aquela estranha na sua frente dizendo que a chuva era apenas o céu chorando – talvez porque ela também estivesse chorando naquele momento. E enquanto ela tentava adivinhar a nossa vida, nós começamos a inventar uma. Lembro também que aquela figura meio mágica apontava para os prédios à nossa volta e reclamava de como eram apertados, solitários, cheios de concreto e de janelinhas minúsculas, onde nós, com nossas vidinhas medíocres, passávamos os nossos dias intermináveis aprisionados. Casas de pombos. Isso, casas de pombos. Ela parecia perdida e desesperaçosa, mas foi lindo e foi inesquecível de um jeito que ninguém nunca vai entender. Naquele dia eu me apaixonei pela nossa amizade. Mas alguns dias também já odiei aquele dia por me aprisionar na nossa amizade. E no final dessa crônica, descubro que na verdade não fiz ela para você, mas para a Rose-Marie, uma estranha que me fez gostar ainda mais da pessoa que você não é para os outros. Só para mim.
0 comentários:
Postar um comentário